quarta-feira, 21 de março de 2018

LOUCURA

CELEBRA-SE, HOJE, DIA 21 DE MARÇO, O DIA MUNDIAL DA POESIA. EIS A MINHA PARTICIPAÇÃO! 


Hoje, não é o dia mais indicado para falar-vos
pois, não saberia dizer-vos nada.
Hoje, sou o reflexo teimoso
de umas mãos, que não sabem escrever
que não podem escrever
mas que necessitam de o fazer.
Saberei eu, ao menos, interiorizar isto? 
Serei eu, enquanto louca, capaz de escrever?
Destrambelhada, escrevo para os outros
sem saber o que dizer.
Que dirá quem me não conhece?
Que dirá quem me namora há tanto os olhos?

Louca, é esta vossa amiga, virtual, bem o sei
que pensa escrever e escreve
e ninguém teve ainda arrojo, coragem
para lhe dizer que pare?
É vergonha, é vexame escrever
sem nada de jeito dizer
sendo o constrangimento meu e só meu.

Que valor terão as palavras ocas de sentido
e sem destinatário?
É como pôr uma carta no correio
sem direção ou remetente
e o carteiro, na regular distribuição
vê um envelope sem letras
que coloca, mecanicamente, numa caixa.

Continuo a escrever muitíssimo, como louca
e todas as palavras
me penetram e escorrem em mim
numa correria de hospício
a ver qual delas chega primeiro.
E para quê? Se todas juntas, reunidas
nunca transmitirão mensagens
e se lidas, algum dia
será que alguém, pergunto-me  
terá interesse em saber
se uma louca pode e sabe escrever?
Ah, meu fado, minha loucura de palavras!

Louca, de todo, por procurar a palavra certa
para começar a escrever o amor
que só um coração louco
pode saber escrever.
Quando as dores me entorpeçam as mãos
fico de peito ferido, dorido
e zango-me com a minha incapacidade.

Eu choro tristeza, e a loucura sai destravada
em cada palavra
capaz de ferir de morte
cada sílaba, nome, verbo ou conjugação
e, de uma assentada
arremesso o que tenho nas mãos
destruindo toda a morfologia e sintaxe.

Digam-me, então, que figura faço eu agora
que destruí toda a gramática
que me tirava a loucura?
Como poderei explicar às palavras
com voz doce e mentirosa
que terão um dia, o seu grande dia
num texto estupendo, invulgar, magnífico?

Sou louca. Podia amar as palavras, apenas
agora implorar-lhes
para serem minha pertença?
Não, já não sou nada, nem mulher
sou antes a vergonha do nada, que sou
e por isso, não consigo já ver
não me bastando ser louca, e agora cega.

Louca, todos os dias, a sonhar e a devanear
todos os dias a lamber
as feridas das conjunções e locuções
que troçam desta exigência.
Sei que, para sempre, serei louca
sabendo que escrevo para ninguém
mas é desta loucura
que me construo e sou diferente
sempre que vos enfrento
e mesmo sem nada saber dizer
criei a esperança de um dia escrever
um texto bom, excelente, para vos agradar.

Quando o lerdes, sabendo que, sou demente
quero que compreendam
a minha adoração pelas palavras
e que um dia, não sei quando
serão elas, que farão com que os poetas
(ó poetas, não durmais)
sejam tal e qual, exatamente, como elas. 


CÉU

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